Conto
Pérolas Tardias
(Ana Stoppa)
Na vitrine iluminada o objeto do desejo - o reluzente colar de pérola de uma volta, rente ao pescoço.
A jovem perto dos vinte anos era absolutamente apaixonada pela joia, tão distante de seu minguado bolso.
Mesmo assim, aos sábados passava na movimentada via para admirar a peça.
Como desejou aquele colar!
Doloroso sentimento experimenta a alma quando por alguma razão percebe os sonhos escoar pelos ralos das impossibilidades.
Não percebeu a passagem do tempo...
A determinação, os estudos, o alcance dos objetivos.
Transcorridas mais de duas décadas, do nada vieram em sua mente pela porta da saudade que vivia entreaberta, as lembranças do colar de pérolas.
Olhou para a penteadeira onde as joias misturadas com as bijuterias brilhavam em meio a dezenas de frascos de perfumes - todos importados.
Fios de pérolas, rios de sonhos, fio de vida...
A vontade incontrolável de visitar o passado despertou o desejo de visitar a vitrine iluminada onde o singelo colar de pérolas que tanto desejara ficava exposto bem na entrada.
Perdeu-se na movimentada via à procura da loja.
Ao encontrá-la viu as portas cerradas.
Reconheceu o velho jornaleiro da banca ao lado.
- Bom dia, o senhor por me dizer se a Loja Oriente fechou?
- Ah minha senhora, tem uns três anos que o dono – aquele japonês simpático desistiu dos negócios.
A doença o pegou – mal de “Alzheimer”.
A última vez que o vi, já debilitado falava coisas desconexas – repetidas vezes mencionava o colar de pérolas, dizia para a filha:
- Este você não vende porque ontem a moça de olhos verdes veio aqui, pediu para reservar.
- De tanto o pai falar sobre o colar, ao separar o lote de joias destinado para o leilão beneficente, ( desejo da família), separou a peça.
- Este não, disse para a irmã.
- Assisti tudo dona – continuou o jornaleiro, vi a filha tirar com cuidado o pó para depois guardá-lo na caixinha azul marinho forrada de cetim branco, dizendo para a irmã mais nova:
- Nosso pai por tanto tempo esperou a volta da moça de olhos verdes para levá-lo.
Toda vez que falava sobre o colar seu olhar brilhava mesclando a esperança com a despedida, era seu desejo vendê-lo para a jovem que por tanto tempo o desejou,
só que ela há tanto tempo desapareceu...
Quase trinta anos havia se passado...
As pérolas?
Não mais as deseja, a vida lhe ensinou a descartar o supérfluo.
Fechou as cortinas das lembranças, cerrou as janelas da saudade.
Cuidadosamente guardou para sempre o colar de pérolas na caixinha dos sonhos forrada do mais alvo cetim.
(Ana Stoppa, 20.06.12)