REPRISE
Outro dia, ouvi uma entrevista de um artista famoso onde ele dizia que no auge dos seus 80 anos, o que mais lhe dava nostalgia eram as boas lembranças que teve: de um flerte proibido, uma caminhada na trilha, o primeiro salário, um abraço que o deixou sem fôlego, entre tantos outros prazeres que viveu. Dizia ainda, que se sentia feliz por estar vivo, mas ciente que futuramente, só haveriam flashes daqueles tempos.
De fato, deveria existir uma alameda onde a pessoa pudesse percorrer e repetir todos os momentos felizes do passado, uma reprise.
Ao contrário das más lembranças, cujo desejo de volta é inexistente, as boas lembranças são um antídoto para a alma. Lembrança de um cheiro, uma canção, um nascimento, um adeus.
Felizes lembranças, de um tempo distante, altamente almejado.
Mas as boas lembranças se tornam cruéis ao longo do tempo, porque transformam numa dança sem reprise, como um único suspiro, uma estrela passeando no cérebro. Penetra no inconsciente, fazendo a pessoa repetir constantemente os fatos vividos, como se estivessem ocorrendo no exato segundo. Incomodam como um inseto persistindo a sua presa, e por mais que se tente afastar, permanece o eco nas horas mais inusitadas do dia.
Não é estranho alguém desejar ansiosamente a visita do esquecimento, tentar esquecer as boas lembranças, aguardar que elas possam se alojar em um cômodo, portas se fecham e chaves se percam.Se conformar com a ausência do retorno.
Talvez seja isso que o artista quisesse dizer sobre a nostalgia das boas lembranças. Felizes lembranças que umedecem os olhos.