A ponte entre Deus e a escrita no livro “A descoberta: o não tempo”, em Tito Mellão Laraya
Por Alexandra Vieira de Almeida
Doutora em Literatura Comparada
Temos nesta obra ímpar de Tito Mellão Laraya um conjunto de máximas que se sequenciam ao longo do livro, não de forma fechada e conclusiva, mas levando a uma abertura que o próprio título propõe ao leitor “A descoberta: o não tempo.” O estilo do livro, de forma fragmentária não produz algo caótico como poderíamos pensar à primeira vista.
Em um olhar mais agudo, podemos perceber uma unidade coerente e coesa com deslocamentos/desfocamentos e desdobramentos entre as partes. Unindo prosa reflexiva e poemas meditativos, o autor cria um rico arcabouço em que temos passagens que explicam páginas anteriores, sendo que outras causam uma quebra na unidade inicial ao tratar de um tom mais prosaico e trivial. Se num momento, o autor fala sobre assuntos sublimes, em outro momento causa um corte intencional falando sobre a sua profissão de advogado e seus meandros. No prefácio do livro, escrito pelo pai do autor. Não um prefácio ficcional, mas real, o processo de “auto-reflexão” que seria realizado pelo autor do livro em questão é direcionado pelo pai, num mecanismo de crítica e percepção da obra, não contaminadas pela feição familiar, mas direcionada por um texto claro, direto e essencial quanto ao trabalho do filho, que não se perde no puro sentimentalismo filial. João Carlos Sabino Laraya, num processo de crítica, demonstra o “amadurecimento do autor” na sua escrita, valendo-se de argumentos convincentes. O outro texto, assinado pela prima Elizabeth S. Marcovitch, não fugindo à análise crítica, procura ver em Tito um “momento presente de interiorização e de busca de uma compreensão maior da realidade que o cerca”. Sendo, para ela, que o objetivo do texto “não é agradar ou impressionar o leitor, mas engendrar uma realização interior”. Esta realização interior será a essência da obra aqui estudada, pois a descoberta de que fala o título é a presença de Deus na vida do autor, que por sua vez, reflete-se na sua interioridade. E o início do livro nos descreve tão bem esta procura a partir da música, não como uma explicação teórica maçante e erudita, mas como uma sinfonia da natureza.
O eu do autor penetra nas coisas, envolve-se em tudo, com os sons, gestos, pessoas, com o mundo à sua volta. Se na palavra música, etimologicamente, encontramos as “musas”, a inspiração do autor não vai se reportar às deusas gregas, mas à essência do Universo, que é Deus, que o autor define como “não tempo” ou “eterno presente”. Se o autor mesmo diz em um de seus poemas do livro que na sua escrita há “algo mais profundo que as veias”, não seria a materialidade da escrita a sua procura, mas aquilo que fica impresso no interior, seja a partir da musicalidade, do ritmo, do jogo de palavras que soam no ouvido dele e dos leitores. Aqui, a audição ganha papel primordial, a partir do som, da música, da sinfonia do mundo, que é Deus. Contrariando uma percepção tradicional de que a visão seria a principal forma de aquisição de conhecimento (Marilena Chauí, no livro “O olhar”), Tito aqui nos revela o sentido da audição como percepção de algo não ligado ao conhecimento puramente “mundano”, “trivial”.
O ouvir requer uma sabedoria divina e por isto Deus seria percebido como algo imutável, imaterial, o hoje, que não é medido pelo tempo. Santo Agostinho, no livro XI, de suas “Confissões”, disse-nos sobre a eternidade: “Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente.” A citação que Tito faz de Buda não poderia ser mais instigante, leva-nos a pensar sobre as “pontes” que temos de perceber entre o Ocidente e o Oriente. Se num fragmento, cita Sidarta Gautama e sua percepção sobre uma nova realidade, no outro, fala-nos sobre Jesus Cristo, não como rivais, mas detentores desta descoberta do “não-tempo”. Se Buda buscou o vazio final, a aridez de todo conhecimento, Cristo nos mostrou a beleza da fraternidade e do amor que ultrapassa espaços e tempos medidos pela lógica. Tito soube bem escolher estas duas figuras centrais para nos vislumbrar sobre a “eternidade” de suas percepções, que até hoje atinge o interior de cada alma. Esta se caracteriza pelo apagar e iluminar, anoitecer e amanhecer tão bem descrita pelo autor quando configura seu processo de escrita antes de dormir com o apagamento, a morte, e, depois, a luminescência, ao acordar, onde surgem novas ideias. A escuridão – o vazio, como possibilidade, projeto para um novo dia, um novo livro, talvez. Esta configuração literária não é nada mais nada menos que o processo de autoconhecimento do ser, alcançado, em sua magnitude, por estes dois seres especiais, Buda e Jesus, pelas suas iluminações. É como se a escrita, para Tito, restabelecesse o equilíbrio dele. Os fragmentos que ele une são as partes mesmas de seu eu que se exterioriza na escrita, esta aqui como projeto de uma iluminação, de um aprofundar na vida, que é, por esta razão, aprofundar-se em Deus. O projeto deste livro de Tito é “o conhecimento de Deus”, “a descoberta do não tempo”, que estão inscritos nas coisas, nas pessoas, no interior do ser. Lembrando-nos do grande pensador indiano Krishnamurti, que diz que o observador é a coisa observada, Tito, contraria aqui nesta obra a posição tomista cristã (pois seu livro é feito de desconstruções) de que haveria um abismo intransponível entre criador e criatura, não teríamos um conhecimento direto de Deus, só pela “visão analógica” (Gilson, Etienne- Boehner, Philotheus, História da Filosofia cristã). Este autor desestabiliza a lógica racional da teologia tradicional e invade esta esfera pelo viés poético, que viabiliza uma rica ponte entre várias tradições religiosas.
É pelo literário que ele realiza este “amadurecimento” citado no início desta resenha pelo seu pai, ao mostrar que o ser humano contém esta parcela de divino, ele não é apenas tempo. O homem pode adentrar na esfera do “não-tempo”, o “eterno presente” de Deus pelo autoconhecimento que não é nada mais nada menos que um processo de auto-reflexão da escrita, tão bem mostrada pelos textos de apresentação do pai e prima do autor. Esta literatura de fragmentos nos revela um estilo único do autor Tito Mellão Laraya, ligados pelos fios da escrita interior do poeta-autor, que no seu livro ilumina a sombra, a noite que ficou, não só por sua visão, mas pelo seu dom de escutar o silêncio e o som, tanto do interior quanto do exterior.
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