R I S O S E S O R R I S O S
É uma família grande, com primos e aderentes. Tem de todos os tipos e portes, longevos e imiscuídos na multidão de indecisos. Tem os que chegaram para ficar e os domésticos e inibidos que afloram já com a desdita do finito. Tem os pudicos e escandalosos, aqueles de ponta de rua. Tudo depende da safra e da árvore que frutifica.
Já vi risos que não deveriam estar ali, pois que, certamente, pertenciam a outros lábios. Ou foram roubados ou pedidos emprestados e não devolvidos, mas não se coadunaram com a boca do forasteiro. Não tenho dúvidas de que alguns sorrisos pertencem a outras bocas, não àquele galho desprovido de folhas, pendendo para o penhasco da desilusão. Não! Cada riso deve ser sorrido pelo seu legitimo dono. Não se deve emprestar momentos.
O sorriso na boca de uma adolescente, aquele disfarçado de santidade, de pureza e virgindade, precisa ser louvado e reverenciado como um santo descoberto na semana santa. Este escorrega dos olhos da jovem e desce para sua boca em flor, como a água de uma pequena cascata que alimenta a vegetação à sua margem. É o sorriso da contemplação juvenil, que com entusiasmo e gloria admira a vida e suas surpresas que chegam de mansinho com o cunho da imposição.
Os jovens sorriem com complacência e abnegação, e geralmente esperam um retorno do ouvinte, que nem sempre está em sintonia ou cumplicidade com sua expectativa.
Várias vezes ouvi o riso debochado, aquele que arrasa com o consulente à sua volta; o debochado vem para jogar por lama todo o argumento vulnerável de um adversário ingênuo, que nem mesmo sabe porque entrou na arena de verdades relativas. O riso debochado não pede licença, ele adentra com o peito estufado e vai logo ocupando o primeiro lugar vago na plateia dos desocupados. Cuidado com ele; é traiçoeiro e inclemente.
O mais suave está nos lábios da linda mulher, principalmente quando é nossa companheira, e desliza em seus lábios de mel, como se fosse a primeira e última essência aguardada para a sobremesa do grande banquete da vida. O riso suave nos lábios da mulher amada flutua em sua boca carnuda e nos convida para o salão dos exaltados com a melhor forma de amar. É cativante, embriagador e sorrateiro como o chuvisco em tempos de seca. Este sorriso melífluo coroando o marfim de uma boca castiça é o desenlace de momentos de extrema felicidade.
A gargalhada pura e inocente do bebe esparramado no berço, cuidado pela mãe zelosa, que o faz rir apenas com sua presença santificada aos olhos do pequerrucho; aquela gargalhada espontânea e prenhe de beleza pueril, com a certeza de segurança e preservação de sua idoneidade física, vem coroar um momento de absoluta alegria e felicidade do pequeno ser gerado para ser amado pela mãe. Essas gargalhadas fazem tremer os alicerces do nosso mundo suspenso no ar. Sua matéria prima é apenas amor e ingenuidade, complacência e entrega, e, principalmente, fé na magnitude da mãe eterna.
O riso crítico que se mostra apenas no canto da boca, como se quisesse economizar movimentos musculares cansativos e desnecessários, é o juiz de todos os elementos pecaminosos, o ser único que detém o poder de julgar, de se fazer presente nas horas mais difíceis da vida do homem, quando ele prevarica com galhardia e eloquência. O riso crítico é funesto e, geralmente vem acompanhado pela procissão dos pecadores.
O riso festivo, embriagado de paixão e volúpia sempre aparece nos locais de muita azáfama coletiva; pode ser durante o dia ou à noite, contanto que haja muitas companhias para desfrutar do momento de euforia. Ele aparece do nada, com a fluência dos corações desocupados à procura de um momento lúdico e inofensivo.
Existem os meios sorrisos de culpa, de arrependimento de fatos consumados que não voltam atrás, e estes são sorrisos de penitencia e acabrunhamento.
O riso clemente flutua nos lábios da jovem, empurrado pelos ventos do ocaso, transportando-o para o recanto apropriado. É lindo e passageiro, recatado e ao mesmo tempo avassalador.
O acomodadiço vem devagar para não assustar os ouvintes atentos ao silencio prazenteiro, próprio dos que viajam nas asas do tempo, no zumbido da brisa na bica de lata, na fragrância das flores outonais. Este sorriso acaricia os ouvidos dos presentes e até mesmo dos passageiros distantes.
Sorriso perceptivo, é o que apenas com uma imagem, identifica a situação, o resultado esperado e não dito com palavras, tão-só com uma pequena sugestão. Este tipo de sorriso surge como um esgar em uma cena teatral.
O sorriso suspiro transmite a sensação do dever cumprido, da coisa feita, do descanso merecido deitado na rede na varanda da fazenda, ou na barraca de praia comendo caranguejo no leite de coco.
O sorriso condescendente traduz permissão para o pedido intuído e não expressado por receio de rejeição. Este sorriso concede o espaço para consumação do fato.
Dentre outros primaveris ou outonais, existem milhares a serem codificados, interpretados e desnudados para sabermos como o convidado está sorrindo, se da situação ou de nós. Se de nós, ótimo, pois comprovamos que continuamos vivos, se da situação ao nosso lado, é bom verificar dando-nos um beliscão no braço. Se não doer, significa que já passamos para o outro lado.
Anchieta Antunes - 14/12/2015.