por Mauricio Duarte
O que acontece quando um mestre da arte de ilustrar livros para jovens e crianças decide escrever sobre o ofício de ilustrar? Estamos falando de Rui de Oliveira e seu livro Pelos Jardins Boboli, Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens.
Repleto de ilustrações a lápis do artista, o livro que sai pela editora Nova Fronteira, é primoroso desde o início. Ao falar de alfabetização visual, Rui nos diz que infelizmente nossa educação é orientada para lermos palavras, quando deveria existir lugar para uma leitura das imagens, uma alfabetização visual.
Tão importante é essa questão, que um trabalho como o do ilustrador não pode e não deve prescindir dos elementos de composição visual, sem os quais seria impossível desenhar e pintar. A leitura da ilustração pelo leitor jovem bem como pelos educadores, bibliotecários, animadores culturais e até mesmo, os editores passa por esse conhecimento da linguagem visual como um todo. A arte de ilustrar estaria, mesmo, entre as palavras do texto ilustrado, no espaço indefinido, vazio, entre uma palavra e outra. O mais importante numa ilustração para crianças e jovens seria o que não se diz no texto, mas que está nas entrelinhas, algo que o leitor sabe, mas não lhe foi dito diretamente pelo texto em questão. Não se trata, no entanto, de apresentar uma solução pronta, seria antes, apresentar uma pergunta e criar janelas e portas dentro da imagem narrativa (aqui falamos de ilustração narrativa) para que o leitor viaje nelas e descubra suas próprias respostas.
A narração é ponto chave aqui, nesse contexto, já que, a arte abstrata, por exemplo, pode ser considerada, o inverso da ilustração narrativa. O narrar é essencial na ilustração para crianças e jovens e esse conceito está diretamente ligado às influências que ela sofre, ou não, das outras linguagens visuais, como a pintura, o cinema e a animação gráfica.
Para Rui, os aspectos constitutivos de uma ilustração, como a cor, o cenário e a perspectiva, são todos perfeitamente identificáveis e analisáveis não só do ponto de vista formal, como também com relação à narrativa literária. Todavia, “não estamos diante de um corpo para dissecar”. Os processos pelos quais passa uma narrativa imagética como o ritmo e a composição não são inteiramente mensuráveis. A soma das partes não nos dá o entendimento do todo da ilustração. Isso acontece porque a ilustração está sempre relacionada direta ou indiretamente a um texto literário, que pode ter inúmeras interpretações. “Diante da ilustração não podemos nos comportar como juízes, mas sim como intérpretes” diz o mestre.
Outro ponto importante é que o encantamento ou um curioso deslumbramento com a ilustração é de suma importância, haja vista o próprio título do livro, Pelos Jardins Boboli*, que sugere uma visitação aos jardins como comparação à visitação a um livro ilustrado. Apesar de ocorrer uma aptidão para ver uma imagem, uma construção gradual do ver, não elimina-se por isso a experiência individual num deslumbrar-se. A ilustração, para o mestre Rui de Oliveira, não é um kitsch da pintura e por isso possui uma linguagem própria. Seria a ilustração, segundo ele, um gênero das artes visuais narrativas.
Dentre as inúmeras e grandes contribuições de Rui de Oliveira à ilustração, à animação gráfica e ao design, os Jardins Boboli desponta como coroamento de sua não menos prolífica carreira como professor de design e ilustração. Tive o prazer de ser seu aluno em duas oportunidades na Escola de Belas Artes da UFRJ como aluno do curso de Desenho Industrial . Programação Visual e posso atestar o seu grande alavancar no ensino dessa área do conhecimento. Ao Rui de Oliveira o meu aplauso de pé, com carinho, grande mestre.
(*)Os jardins Boboli situam-se na parte posterior do Palácio Pitti, em Florença e vários arquitetos esmeraram-se em sua construção dando-lhe beleza e encanto.
publicado 01/02/2014