Segredos do Passado
Como de costume ela chegou no horário, para dar inicio ao plantão. Entrou tranquilamente, quase despercebida.
- Boa noite, disse sorridente.
- Boa noite, doutora. Não a vi chegar, respondeu a recepcionista. Ah! Hoje o plantão promete, já temos um paciente, está lhe aguardando na sala de espera.
- Só um minuto para eu guardar minhas coisas.
Drª.Wilma é médica à moda antiga, daquelas que não tem pressa em acabar a consulta e escuta atentamente o relato do paciente, valorizando todos os detalhes.
Abriu a porta do consultório...
- Sr.José, por gentileza, pode entrar.
- Boa noite doutora. Disse o homem, na maior educação.
- Boa noite senhor José. Em que posso ajuda?
Bem, antes de continuarmos a consulta...
Sr.José, morador de rua, adentrou no consultório com tudo que lhe era mais precioso, seus únicos pertences, sua única historia, ou seja, um grande saco jogado as costas. Carregava com muita dificuldade, mas como se tratava de toda sua vida, precisava continuar carregando.
- Doutora...
- Wilma senhor.
- Pois não, como ia dizendo Dra. Wilma, o meu problema é assim, eu estava bem, visto que fui até a bolsa de valores investi meu dinheiro, depois passei num restaurante famoso e chique, comi caviar. Após ingerir o caviar, comecei a sentir dor no estomago.
Drª. Wilma prestou muita atenção ao relato do homem e anotou exatamente o que ele havia dito para descrever seu mal estar do estômago.
Enquanto Drª. Wilma o examinava, pensava...
“Um morador de rua que sabe da bolsa de valores, de caviar...”
Não questionou o relato, não duvidou da verdade daquele homem, respeitou, ouviu. Em seus devaneios muitas perguntas no ar, sem resposta, sem sentido.
“Quem na verdade era aquele homem, tão educado, de feições delicadas e bem tratado, mas com roupas e pertences tão maltrapilhos?”
Ao mesmo tempo em que o examinava, pensava.
“Teria sido alguém abastado que perderá tudo, inclusive o amor dos seus entes queridos? Quem sabe, vida de glamour e de riqueza?”
Que importava aquilo naquele momento; a única coisa que importava para ela, era a verdade contida no relato e a queixa trazida por ele, com grande sofrimento.
- Sente-se Sr. José. Vou pedir à enfermeira que lhe dê uma medicação, o senhor vai passar a noite aqui, no repouso, amanhã irá embora.
Abriu a porta do consultório, chamou a enfermeira passando-lhe a prescrição.
A enfermeira ao ler a ficha ficou abismada, não se conteve, foi falar com a doutora, ou melhor, zombar da historia que aquele homem havia trazido.
- Doutora a senhora acreditou na historia desde paciente?
- Enfermeira, estou aqui para ouvir e respeitar a verdade do paciente. Só assim posso tratar da dor contida nos seus relatos.
Ela nada respondeu saiu do consultório aturdia.
Ele largou seu corpo cansado no leito, seu semblante que ora era sofrido e amargurado do presente vivido nas ruas da cidade, sua velha conhecida, naquele breve momento desanuviou. Relembrou com nostalgia do passado, das conquistas, dos fracassos, desfrutou dos seus sonhos quase esquecidos.
Em suas lembranças seus segredos foram expostos, não foi criticado, não foi julgado, pela primeira vez enfrentou sua vida, sua historia. Perdoou-se dos erros, vangloriou-se das vitórias.
Dormiu o sono dos justos.
FIM