SENSO CRÍTICO
Mirian Menezes de Oliveira
Sinceramente, custa-me realizar o resgate dessa história, há vinte anos, narrada por uma ex-aluna. Lembro-me do enredo, das personagens, do desfecho, mas, até hoje, questiono-me sobre a veracidade dos fatos, se bem que ela não era de mentir. Há também o fator inevitável que permeia as histórias contadas: o delicioso acréscimo de pitadas de criatividade. Não, não é possível! A história, com certeza, era real! A garota não mentia, nem era dada a inventar histórias.
Tendo em vista o fato descrito, acredito que o contexto verídico se incumbiu de reformatar contos de artimanhas, narrados por nossos avós, ou melhor, reorganizou-se nas ondas sonoras emitidas pela jovem, como anedota do cotidiano.
Nosso encontro se deu na rua, de maneira casual:
- Oi, Mirian! Que saudades! Tudo bem?
_ Tudo bem, meu anjo! E você? Como está?
_ Estou bem, mas passei por um vexame, junto com minhas amigas. Você nem imagina!
_ Não me diga! Conte-me como foi isso!
_ Pois é! Resolvi ir a um país vizinho, com a turminha, para comprar coisas de uso pessoal. O passeio foi divertido... Um pouco cansativo... lógico! Sabe como é! Horas e horas de viagem, paradas em alguns restaurantes à beira de estrada... Dormir em ônibus não é fácil! Enfim, foi divertido apesar do cansaço.
_ Então valeu a pena!
_ Sim! Tudo estava muito interessante, até o retorno.
_ O que houve? Não estavam entre amigos? Não foi divertido?
_ Sim e NÃO! Conhecia muitas pessoas, mas excursão é assim, mesmo! Organizamos uma turminha e nos agregamos a outras. As excursões permitem que conheçamos outras pessoas e grupos.
_ Normal! Não foi bom?
_ Como te disse, foi legal, mas, no retorno... Ah! No retorno, passamos por um estresse.
_ É, mesmo!? O que houve?
_ Professora, que vexame!
_ O que houve? Estou ficando curiosa!
_ Ao passarmos pela alfândega, abrimos nossas malinhas e expusemos os objetos comprados. Conosco estava tudo normal, mas não sei por que motivo, mais de dois fiscais entraram no ônibus e aquilo que era para ser rápido, transformou-se em tortura!
_ Alguém fez coisa errada nesse ônibus?
_ Sim, professora! Um dos homens, muito nervoso, entrou com tudo e “fechou a cara”: “Recebemos uma denúncia anônima, referente a esse ônibus e o veículo não prosseguirá, enquanto não verificarmos cada bagagem! “
_ Encontraram algo irregular?
_ A princípio, não! Os fiscais reviraram todas as malas e tudo parecia normal! Com as testas franzidas, os homens já se preparavam para descer, quando, do NADA, ouviram um berro, vindo do banheiro: “SOCORRO! SOCORRO!” Voltaram “com tudo” e, por pouco, chamaram reforço.
”SOCORRO! SOCORRO!”
_ Há alguém preso no banheiro do ônibus! – disse um dos fiscais.
“SOCORRO! SOCORRO! ESTÁ FEDENDO! ESTÁ FEDENDO!”
_ Quem estava preso no banheiro? – perguntei curiosa.
_ Na hora do grito, o banheiro foi aberto com toda a força e lá estava ele (COITADO!): um pobre papagaio, tontinho...
“Tráfico ilegal de animais silvestres!” – disse o fiscal mais nervoso – “Vamos encostar este ônibus, para melhor averiguação.”
_ Nossa! Que chato! E ninguém viu a pessoa que entrou com o papagaio no ônibus.
_ Pior que não, professora! E até que tudo fosse esclarecido... quase “mofamos” no local.
_ Que triste! Triste a situação vexatória por que passaram e triste a situação de violência ao papagaio.
_ Verdade, professora! Mas uma coisa é certa! Esse papagaio não foi bobo, não! Quem disse que o animal SÓ repete?
_ Com certeza! Isso é o que chamo de papagaio com senso crítico desenvolvido! PARABÉNS ao bichinho! Ele realizou a delação espontânea do crime ambiental.
_ Pois é! Movido pelo instinto de sobrevivência, ou não, ele agiu de forma correta e ligeira.
Findo o assunto, despedimo-nos por ali e a crônica surgiu, somente, agora, vinte anos após o fato.
Se é verdade!?
Quem sabe?
De qualquer forma, devo exaltar o excelente repertório linguístico do papagaio e a incrível delação.
Vivendo e aprendendo!