SOBRE AQUELA MULHER
Todas as vezes que foi espremida e degradada naquele ônibus lotado, suada, sendo obrigada a permanecer calada, enquanto sujeitos asquerosamente abusivos se aproveitam para tocá-la, ela fecha os olhos respira fundo e tenta manter as migalhas de sua dignidade que não merecidamente lhe foram dadas. Quando chegar em casa poderá chorar sua humilhação, agora não, ainda mais porque o homem grudado nela parecia disposto a aprofundar o contato.
Sentia tanto ódio que poderia gritar sem parar até que sua voz se extinguisse por completo.
Um senhor de muita idade observava a cena e lançava olhares complacentes, sentia pena de sua situação ou inveja do outro indivíduo?
As coisas eram assim, em todos os lugares a condescendência masculina era talvez o fator mais humilhante, sempre recebendo olhares como se fosse um pequeno verme, que causava pena, ou na maioria das vezes sim, era um belo pedaço de carne pronta para ser devorada da forma mais grotesca e libidinosa. Queria poder revidar toda sua feminilidade contra isso, queria ser forte o suficiente para atacar.
Ao longo de sua miserável existência, ela sentia vergonha de ser.
Era vergonhoso o modo como podiam fazer com se sentisse tão mal, tão profana e venenosa.
Quando um dia pudesse dar o troco, talvez ela não fizesse nada, estaria vazia sem sentimento algum.
Logo teria que descer daquele veículo e passar por mais um humilhante desafio de tentar passar sem ser tocada por mais três ou quatro criaturas, que tentavam a todo custo encostar coxas e braços e tudo que mais conseguissem em seu corpo.
A primeira coisa que faria ao entrar em casa seria tomar um longo banho, para tentar eliminar o nojo que sentia de seu corpo, a vergonha que sentia de ser mulher, de ficar calada e não reagir.
Água nenhuma nesse mundo conseguiria tirar de sua alma a sujeira, ela nasceu pecadora, morreria como uma prostituta barata, todas, pequenas e insignificantes prostitutas, que não merecem ser tratadas com amor, todas devem servir e no final do dia agradecer por existirem nesse maravilhoso mundo masculino.