SONHOS E...(DESESPEROS DO EU)
De olhos fechados deixa-se inundar. Não há cama, jangada, batel, nada! Só o corpo nu, ao cimo das vagas a boiar. Não há poluição do carvão, nem petróleo. Qualquer faísca de motor, eléctrico. Só o corpo nu sobre as vagas a deslizar de olhos fechados. Não é que tenha medo de abri-los para encarar o céu, não! Assim fechados vê muito mais, para lá da costa longínqua que explora agora após se erguer, já com pé, e de pôr o pé (precisamente) na areia de uma ilha qualquer.
Nua, explora. Não tem pudor da sua nudez, nem receio de ser vista. Pensa que deve ter sido assim que os primeiros habitantes de um sítio qualquer, receberam o colonizador. Vestidos! De inocência. Não há bíblia nas mãos, nem correntes ou chicotes escondidos, cartas de foral, desejo de conquista. Muito menos, vontade de explorar riquezas locais, que não os pés no chão, a brisa na pele, que entretanto secou. Lhe está desenhada de sal.
Sequiosa bebe. Bebe tão inocente como os locais beberão, mas não os vê. Só escuta o esvoaçar de pássaros ao redor, que não identifica, mas são tão lindos! Um arco íris, pelo meio das palmeiras e demais vegetação. De repente... Outro diapositivo, como se lhos colocassem nas órbitas. Na pele o sal da água, a que voltou. Está frio! A temperatura baixou. O ar não é o mesmo de antes... O sangue queixa-se, mas não pode esfregar os braços. Afundará. Um lampejo e está no iglo. Lá, está mais abrigado que na água cortante.
Desta vez não está nua. Peles e bocados de outras, que identifica como sendo de... NÃO! Grita. O som propaga-se pelo nada branco. Ao cume das montanhas, também de ele vestidas, mas ela despe-se. Seguir nua ali, é convidar a morte. Mas, não! Recusa-se a seguir vestida de peles de Huskie, quem sabe de lobo. Até das morsas e focas, a deixar-lhe na boca o travo férreo de sangue. Nas mãos a sensação de culpa, de quem esquartejou... Mas não foi ela que os matou! Chora. Chora-os!
Poderia explorar os pólos, sempre quis visitar as estepes, conhecer as gentes, lendas. Comer e beber com eles, mas prefere voltar. Na água ainda soluça, de olhos fechados. Pede para que todo aquele líquido azul, se não tinja mais de sangue. Como pode o homem ser tão... Sente-se, projectada! Como quem atira um naco de carne para um porão escuro e sujo. Longe de o ser, sabe que aquele lugar é nada mais que o seu subconsciente. Está fechada no meio de tudo, que despreza. Abomina! De visita aos compartimentos proibidos, dos confins do ser, onde nunca ninguém quer ir... Nua! Nua e frágil. Ali não há porto seguro, areia ou gelo. Só o escuro da mente. A lei do animal interno. Pode senti-lo a farejar. Espumar de gozo, porque vai devorar. Tenta recuar. Proteger-se, mas dentro da mente e dos recantos sinistros de algumas almas, tudo é descampado. Não há nada a que se deite a mão, nem a uma cadeira, onde nos sentemos. Não há regra, nem condição.
Ali também é frio. Escuro, húmido. Muitos olhos espreitam-na. Ali, curiosamente fechada, dentro das terríveis masmorras da mente, não há segurança... Ali, está nua e sente-se! Peca, sem nada fazer! Acha-se em falta, quando está inocente. Fraca, confusa, quase louca. Se não acordar tão depressa, a respiração está-lhe por um fio. Não está preparada para enfrentar... O seu próprio Eu. Todas as suas terríveis cambiantes e armadilhas. Ali? Está perante o monstro mais letal de todos que poderia conhecer, em qualquer lugar desconhecido... Em desvantagem.