SORRISO AMARELO
Resolvi sair com os amigos, mesmo sabendo que não tinha dinheiro para dividir a conta. Os trocados no bolso mal cobriam os gastos com o transporte. Não tinha coragemde confessar que estava sem dinheiro, a ponto de pedir esmola na rua.
E os meus amigos festeiros nãopercebiam o meus sorriso amarelo. Se existe uma característica da pessoa que está na dureza é o sorriso amarelo, desengraçado diante das dívidas.
Lembrei-me de um caso recente. Um falso casal que se apresentava em restaurantes dizendo ser degustadores de alimentos; degustavam os mais variados pratos para emitir uma opinião sobre o cardápio do estabelecimento, diziam. Demorou para que o falso casal fosse descoberto, após muitas refeições grátis.
Quando uma pessoa está sem dinheiro, nenhum plano é viável; a promessa de um próximo encontro, a compra de um celular, a viagem no final de semana, o novo modelo de tênis, o curso de inglês, nada se encaixa nos bolsos vazios e tudo fica a longo prazo.
A festa estendeu-se até de madrugada e na hora de pagar a conta, um dos colegas sugeriu sortear quem seria o infeliz da noite. Ninguém cogitou dividir a conta, prática comum entre o grupo. Desta vez, tiveram a malfadada ideia do sorteio, justamente quando eu tentava manter o meu sorriso amarelo, mortificado com a possibilidade de ser o “sorteado”.
Uma vez que estava infeliz, nada mais justo do que ser coroado o infeliz da noite. Fui o sorteado. A saída dos colegas facilitou a tarefa que eu estava disposto a fazer – conversei longamente com o gerente do estabelecimento até ser encaminhado para a cozinha do bar. Ali, me deparei com incontáveis recipientes para serem lavados.
Enquanto mergulhava as mãos na água gordurosa, cogitava se o meus tênis suportaria mais uma caminhada.
Mas caminhar não era o problema. Precisava perder calorias.
Do livro Um Pindaíba nunca estásozinho”