Turbilhão - por Maria Estela Ximenes

Turbilhão - por Maria Estela Ximenes

TURBILHÃO

 

Não custa  registrar  as   inquietações do cotidiano. Escrever no papel   aborrecimentos ocorridos nos lares, no trabalho ou  na  esquina. Insistir na escrita de  uma mágoa  recente ou antiga. Adotar os  conflitos, escrevendo   desenfreadamente todos os  anseios. Despejar para o mundo isso ou aquilo, sem contudo, criar alarde. Em seguida,  guardar  as páginas,  deixando-as de molho, amadurecendo toda a  amargura.

Melhor registrar os  pensamentos  inquietantes  do que expor para alguém insensível,   ser julgado e mal compreendido. Explorando  a caneta,  monstros internos serão confrontados,   acertos e erros  confirmados sem a necessidade de olhares gulosos. Não existe  censura ou preconceito diante de palavras escritas  no momento de solidão, mas   instantes de    sigilo, e    somente  você  tem o poder de  revelá-los.

  Sobretudo porque uma folha em branco  não possui sentidos: olhos para acusá-lo ou   boca para despejar opiniões. Simplesmente, uma  folha neutra, alva,  pidona, faminta, sedenta de meros  rabiscos. Basta riscar   a primeira frase, e  um turbilhão de ideias criam formas, aliviando a alma, tornando-se tão  eficazes  quanto uma  consulta com  um terapeuta. 

E quando mais tarde  observar a pilha de desabafos acumulados no furor do momento,  questionará se  era de fato  o  protagonista daquele cenário – um cenário de  pensamentos  gigantes.  Quem   derramava conflitos por determinada situação? Ignorava   as evidencias de um  cenário artificial? Permitiu ser  podado de toda  autenticidade? Tantas    lágrimas  extravasadas! Foram   mesmo  necessárias ou em vão?

Relendo os seus inscritos,  chegará a conclusão de  que os fatos  foram muitas vezes  confusos, egoístas, sonhadores, e   que um terço do seu desgaste   emocional ocupou espaço demasiado.

Registre, rabisque. Inunda   folhas de conflitos até a última linha. Sinta-se à vontade para  diminuir  todo o excesso de bagagem.  Compare tudo o que escreveu e  perceba o quanto se afogou na tempestade.

Finalmente,  faça um brinde, e chore. Lave os olhos com as  próprias  lágrimas, limpando   o cisco que  estava obstruindo a  sua  visão.

E somente  quando  a sua visão estiver límpida e seu âmago livre, liberte-se de tudo o  que registrou.  

 

publicado em 25/05/2014

 

 

 

 

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