Um Até Breve ao Mar
Eu estava emotiva. Queria chorar todos os choros guardados até então. Olhava o mar a minha frente e tentava decifrar os segredos que ele escondia naquele leva e traz das suas ondas, que desmaiavam cansadas na areia quente. Queria ser poderosa naquele instante, onde pudesse alcançar o infinito. Transpassá-lo. Chegar ao outro lado da imensidão dos tempos. Catava dentro da memória do coração, algum resquício de felicidade que por acaso tenha vivido. Dei-me conta que fora tudo uma grande ilusão. Felicidade mesmo é o que estava a sentir agora. E essa era a razão das minhas lágrimas. Havia descoberto que ainda era tempo de amar e ser feliz. Do horizonte o sol beijava-me atrevido.
O vento acariciava meu rosto e enxugava os meus olhos marejados. A vida passava diante do meu olhar a passear no tempo reavivando memórias perdidas. A canção do mar parecia dizer-me da esperança de vida que renascia, com aquele rebuliço das águas. O sol, atrevido e luminoso jogava seus raios e acariciava a minha pele. Ruborizava a minha face. Eu o olhava confessando o que ia à minha alma e ele parecia-me entender. Gargalhava superior e não parava seu marulhar de alegria. Mostrava a gana de querer engolir o que estivesse à sua frente. Invadia sem nenhum pudor o chão que o recebia tímido. Adonava-se do espaço que ia beijando com sua língua salgada. Seu azul perdia-se no horizonte. Tínhamos um diálogo mudo, mas nos entendíamos com o olhar.
Era uma sonhadora. Era inteira. Mesmo quando tinha a alma partida em mil pedaços. Quem poderia saber o que ia lá por dentro de mim? Disfarçava tão bem as dores e decepções. Até ria delas, pois acredito sempre no melhor. Nos dias que estavam por nascerem, na força indescritível da natureza. A força daquele mar a perder-se de vista diante de mim dava-me a certeza da maioridade dos deuses. Haveria explicação para tantas belezas, tanta força ao meu derredor? Nos versos de Armando Côrtes-Rodrigues, in ‘Planície Inquieta’, ele me socorre com o poema “Canção do Mar Aberto”, que diz em belos versos o que eu sequer me atrevo a perguntar.
“Onde puseram teus olhos / A mágoa do teu olhar? / Na curva larga dos montes / Ou na planura do mar? / De dia vivi este anseio; / De noite vem o luar, / Deixa uma estrada de prata / Aberta para eu passar. / Caminho por sobre as ondas / Não paro de caminhar. / O longe é sempre mais longe…/ Ai de mim se me cansar!... / Morre o meu sonho comigo, / Sem te poder encontrar”.
Aquele gigante misterioso deixava-me curiosa. Mesmo quando exaltado, a sua canção era a mesma. Por maior voracidade que mostrasse, quando chegava à areia esparramava-se todo, lânguido, lambendo-a calmamente, para em seguida recuar e refazer-se continuamente. Quanto mistério ele guarda na sua profundeza! Quanta força para mostrar-se o poderoso que é. Ele de repente desmaia aos meus pés, vencido de prazer. Exibiu-se o tanto que quis e foi admirado pelos meus olhos, agora risonhos. Era chegada a hora de voltar à vida de sempre. Acordar daquele sonho de amor. Acenei um até breve e caminhei feliz comigo mesma. Havia entre eu e o mar uma cumplicidade inexplicável, mesmo sendo ele tão poderoso, e eu, só um pequeno grão de areia.