Gravatá – 05.08.09.
Hora: 16:45.
Um dia nos aeroportos
Dia 12-06-09, às três da madrugada, saímos de casa em direção ao aeroporto de Recife. Chovia como nunca, todas as nuvens resolveram chorar ao mesmo tempo. A estrada cor de azeviche, só dificultava o manejo do veiculo. Poças imensas queriam ficar com o domínio da direção, e eu lutando no sentido contrário, com o medo me assaltando. Os devas empurravam sobre minha cabeça aquela imensa cortina d’água, como se fosse uma grandiosa tsunami de chumbo, escura e pesada, martelando o asfalto, o vidro do carro e nossos corações pequenos de pavor e angústia.
Conseguimos chegar à Veneza Brasileira, cortada por muitos caudais pardos de lama, e na Av. Recife estavam a nos esperar, como se estivéssemos participando de uma “gincana”, verdadeiros lagos urbanos e madrigais. Um? Não! Vários, distribuídos ao longo do trajeto. Avisava a Dea para, com o polegar e o indicador, fechar o nariz, pois desconhecíamos os buracos existentes, como se armadilhas tivessem sido colocadas à nossa frente para impedir nossa chegada ao destino.
Novamente conseguimos chegar, desta vez, ao aeroporto. Corremos para o “guichê”, dito – “check-in”, para despachar nossas bagagens e apanhar os cartões de embarque. Tudo realizado com muita prestimosidade, a funcionária foi logo nos avisando que havia “um pequeno atraso de tres, ou melhor, T R E S H O R A S “. Intuí daí o motivo de tanta cortesia.
Tivemos tempo para um lauto café da manhã, compra de livros, cansar as pernas em caminhadas e as bundas nas cadeiras que, como em todo aeroporto brasileiro soi acontecer, são sumamente desconfortáveis. Já dizia Aristóteles: -“turista nasceu pra sofrer”. Sofremos nosso quinhão e finalmente partimos.
Dez horas depois chegamos a Atlanta que, segundo a lenda, é o maior aeroporto americano. Aterrissamos sob ameaça de forte tempestade, como de fato veio a acontecer. Mal as rodas rolaram no asfalto o piloto teve que estacionar o bólido voador, numa pista intermediária para esperar melhores ventos. Da janela do avião eu via rajadas de chuva sendo arrastada pela tempestade furiosa, para depois do infinito; o infinito de minha pequena janela.
Desembarcamos naquele mercado poliglota apinhado de tantos outros sofredores, todos querendo chegar a seus destinos. Como bagagem de mão, carregava uma pasta com documentos, escova de dentes, creme dental, máscaras para dormir, passaportes, mais documentos e pequenas quinquilharias, pesando de dois a três quilos. Pendurada no ombro uma sacola com um guarda-roupa completo: sapatos, camisas, cuecas, meias, pijamas e quanta coisa mais Dona Dea colocou. Para correr 100 metros rasos era moleza, mas para caminhar, subindo e descendo escadas a coisa começou a complicar e a pesar. Fomos obrigados a subir no trem que percorre todo o aeroporto em porões obscuros. Aquele trem arranca e pára como se fosse uma prova de Formula I; ou você se amarra a uma barra de ferro, das tantas existentes, ou o tombo é inevitável. Conseguimos não cair. Até aquele momento estávamos ilesos, sem nem mesmo termos tido uma fratura de fêmur. Saindo daquela prova, subimos outra escada e procuramos o portão de embarque. Aquela tempestade de que falei atrasou o vôo e mudou o portão de embarque, o que significa dizer, mais escadas e mais trem. Novo portão, nova espera. Embarcamos novamente.
Chegando a Columbus 18 horas depois daquela chuva de Gravatá. Moriana (nossa filha) estava nos esperando.
Antes, porém, tenho que dizer que, em chegando a Atlanta, fomos buscar informações. Com meu inglês “beduíno” tentava me comunicar e entender o que respondiam. O problema é que eles falam “americanêz” com a rapidez de uma cachoeira em tempos de cheia. Quando encontrava algum latino falando espanhol era como se as portas do céu estivessem abrindo. Mas na maior parte do tempo ficava eu com cara de Amélia na berlinda, até que resolvi reverter o quadro e dizia, em inglês, eu falo português e espanhol, e você? E eles não diziam, mas pensavam: a única língua do planeta terra é o inglês, e, por favor não venha subverter a ordem mundial. Mais de uma vez, um funcionário no epicentro das solicitações e reclamações, olhando para mim, um lídimo alienígena, dizia para nós avançarmos na fila; go – go – go...como quem diz: desapareça da minha frente que já estou todo enrolado mesmo; lia eu naquela fisionomia presa na teia administrativa, a pressa do desespero. Coitado dele, e de nós. Em nossas travessias de quilômetros de corredores, de esguelha percebia sorrisos lupinos pendurados nos lábios; todos nós estávamos cercados de frustrações por ter perdido o vôo ou pela espera do que atrasou. Aqueles sorrisos me pareciam mais com agressão do que cordialidade.
Como passamos por vários Raios X, tivemos experiências insólitas. Creio que o FBI tinha absoluta certeza que Anchieta e Dea em longas noites solitárias de Gravatá, haviam dedicado todo o tempo do mundo para preparar “artefatos nucleares” de alta potência, que seriam transportados nos saltos dos sapatos, já que tivemos que andar descalços por muitos e muitos metros, num chão que nem conhecíamos. Os sapatos eram levados a laboratórios, onde olhos biônicos enxergavam com nitidez a espoleta, prestes a explodir, provocando uma chacina digna do Tali Ban. Descalçamo-nos tantas vezes, que a indignidade nos alcançou ao constatarmos estarmos espalhando nossos hediondos chulés de horas sem banho em país que não nos pertencia. Foi um tal de calça, descalça, que nossos pés já entravam, sem nenhuma cortesia, nos nossos sapatos vilipendiados; nossos pisantes acusados vilmente de integrarem uma rede internacional de terroristas, mesmo sob os olhos de lupas microscópicas, não tinham direito a argumentos de defesa e nem de constituir uma banca defensora.
As injúrias nos aeroportos é prática cotidiana e avança sobre qualquer cidadão, seja ele, honorável ou não. Nas imensas salas de espera, vemos as pessoas apinhadas, submetendo seus narizes a odores de todo tipo; percebemos feições de aflição, de angústia, de dúvida, de terror, de sofrimento e de cansaço pela espera, até que o vôo é anunciado. O chão de mármore polido fica gotejado de lágrimas de alegria pelo embarque iminente ou de saudade dos entes queridos que ficarão curtindo a saudade que se aproxima.
Quando chegamos a Columbus, Moriana nos levou para o hotel onde ficamos trancafiados numa CELA. Mas esta já é outra estória...