“UM NOVO CAPÍTULO”
Estávamos eu e a minha amiga, na Bienal do Livro de Pernambuco, Em nosso primeiro encontro pessoal, pois até então só falávamos através de redes sociais, e-mail, etc., mesmo tendo um elo de trabalho entre nós, e ela chama a minha atenção para a frase exposta diante dos nossos olhos. Olhei a frase ali escrita, bem grande, e pensei num novo amanhecer. Lembrei-me da nova vida que tempos atrás começara a escrever em grandes letras douradas de sol. É preciso começar um dia! Não gosto muito da palavra “recomeço” apesar de estarmos sempre a usando, mas na hora cruenta da decisão deixo-a de lado e prefiro começar. Pois começar é como o nascer do sol. De um novo dia. De uma nova vida. Felizes são os que têm oportunidade de começar de novo, seja lá o que for. Eu sempre tenho essa dádiva porque aprendi a me refazer em cada amanhecer.
Animo-me com emoções aparentemente adormecidas, numa interação evocativa, que me fortalecem como um regalo inesperado. Gosto de fincar no peito as coisas boas que me acontecem. Repudio os esquecimentos, ainda que aconteçam independentes da minha vontade. Cultivo a gratidão como planta que dá vida à alma. Assim lavro alhures pedaços de mim, logo existo. O recordar ganha a força da perpetuidade porque persiste até o último suspiro. Recordar e agradecer são palavras que caminham juntas. Apesar de que nem sempre a palavra significa o suficiente. Mas às vezes tem o poder de salvar. Naturalmente que nasço e morro todos os dias e me salvo nas entrelinhas. Mas houve o dia, que só as palavras eram insuficientes. Era preciso a construção do querer. A vida tinha se encarregado de usurpar desejos e sonhos. Eu havia optado pelas reticências. Estaria pedindo clemência para mim mesma?
Num angustioso silencio fui partindo o tempo e fracionei o que me restava de desejos. Dilapidei o meu imaginário em concretas negações da felicidade adormecida, num lugar qualquer dentro dos meus numerosos eus. Os resíduos guardados na mente me ajudavam aqui e acolá a sobreviver. Escrever era a única ferramenta que dispunha para escavar as minhas entranhas e reinventar-me e fazer submergir as palavras esquecidas e encapsuladas no vácuo do não. À carga da memória das letras eu me curvo e me reinvento e sigo. Eu palpito nos desalinhos do refazer-me. Do nascer outra vez. Espalho as letras que sonoras gritam o que me vai à alma. Alguém ouve os meus sussurros brandos e pede-me mais e logo eu grito os mistérios irreversíveis que acumulo, e transcendo o inevitável. Viro um oráculo de minhas palavras. Transbordo-me, enquanto elas voam em asas douradas a transgredirem o imaginário.
Nessa primavera colho as flores semeadas. Estão viçosas e logo se transformarão em mais e mais sementes que deixarei o vento espalhar a colorir jardins. Percebo hoje que a felicidade resume-se a simples e fortuitas coincidências na vida. Entrego-me ao entardecer como uma dócil amante que há de ter o tempo como confidente, à guisa da luxúria que os bons momentos preservam. Delicio-me antecipadamente com a doce e deslumbrante cerimonia de viver. Meus escombros viraram letras. Misturo-as. Mesmo quando as palavras são desnecessárias. O abraço apertado fala e é real. Dentro de mim acumulo reverberações. A construção da vida, por vezes, é abstrata... Eis-me. Sou um novo capítulo. As flores que colho, ofereço-te. Veio daí, a mão que segurou forte a minha para a caminhada que se descortina.
Obrigada Shirley e Divulga Escritor
Lígia Beltrão