UM POEMA, UMA ELEIÇÃO
Tenho guardado não lembro exatamente onde, uma nota de cinquenta cruzados novos, datada de 1990. Guardei essa nota até hoje não por ser colecionadora de notas, mas porque apreciava a homenagem que a Casa da Moeda fez ao poeta Carlos Drummond de Andrade, imprimindo no verso da nota o seu poema. “Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças”; era um dos versos do poema, no qual eu lia e relia, achando-o encantador.
Recentemente, recordei esse verso por ocasião das manifestações ocorridas em torno do resultado das eleições para presidente do país.
Pensei nos ruídos dos homens que estavam “acordados” na tentativa de apoiarem suas crenças e opiniões politicas. Quantos homens acordados estiveram confiantes de que o seu discurso e o resultado dele seria decisivo no momento do voto?
Comparei as diferenças entre uma frase poética e uma eleição, mesmo ciente da realidade distinta entre ambas. Versos não saciam o estômago, não oferece um teto para morar, tampouco vestem alguém.
Poesia combina com sensações, com humores, com amor, alegria, tristeza. Eleição deveria combinar com responsabilidade, justiça, ética, consciência. E por mais que a poesia pareça abstrata, traduz as inquietações dos homens sem contaminá-los – não há disputa nem corrupção de palavras no caminho dos versos.
Poesia emociona , eleição estressa. Poesia dialoga com as palavras, eleição deturpa-as. Poesia traduz os sentimentos do leitor. Eleição escraviza os homens, submetendo-os a um desgaste contínuo.
Ninguém vai bater na porta do autor da poesia, exigindo que ele cumpra o que escreveu. Ingenuidade é supor que uma única opinião é soberana, capaz de definir todo um processo, 100% nunca coube dentro de uma realidade. E toda ação politica nada mais é do que a transferência de planos e projetos positivos ou negativos dentro de diferentes contextos.
Mas quando se acende um palito de fósforo, mesmo que ele queime até o fim, ainda é possível reacender a chama – chama esta que me faz retornar o verso de Drummond: “acordar os homens”.
Que os homens estejam despertos para um novo olhar, uma nova reflexão, uma nova atitude, uma nova crítica, uma nova derrota, uma nova postura e um novo bem comum.