Uma Emocionante Partida de Futebol – Por Silva Neto

Uma Emocionante Partida de Futebol – Por Silva Neto

Uma Emocionante Partida de Futebol – Por Silva Neto

 

Na minha Cidade do interior acontecia de tudo um pouco. O que rolava na Capital era reproduzido naquela pequena cidade, independentemente de regras e tecnologia, tanto que, improvisar era a palavra chave. A emoção ficava por conta da atração, seja um circo mambembe, películas históricas, românticas e de aventuras exibidas no cinema local; vaquejadas, quermesses ou desfiles escolares em datas festivas ou o futebol. Entre as demais atrações o campeonato de futebol disputado entre os Engenhos da Usina Catende, na década de 60 do século passado, roubava a cena.

Certa vez assisti a um jogo decisivo entre o Engenho Monte Alegre e o Engenho Ouricuri. A decisão ocorreu no campo do Monte Alegre. Aquela partida iria sem dúvida atrair grande número de torcedores. Foi o que aconteceu. Faltando poucos minutos para o início da partida grande público assistente já se concentrava em torno daquele, digamos, campo de futebol.

O campo de várzea, pasto dos animais em dias comuns, tinha sido delineado cuidadosamente com as marcas da cal tendo como alambrado cordas amarradas em pequenas hastes para evitar a invasão das torcidas. A bola de couro, desgastada pelo tempo, até parecia uma bola de espiribol, sinal de que não chegaria ao final do jogo. Ambulâncias e equipe médica não havia, mesmo perante a fama dos jogadores de que “do pescoço para baixo tudo era canela”. O que distinguia um time do outro era apenas a cor das camisas. Calções e meiões podiam ser de qualquer cor. E para cumprir a regra de segurança, apenas dois Soldados e o Delegado presente.  A ilustre comitiva era composta do Prefeito da Cidade, o Juiz da Comarca, o Presidente da Câmara, os Administradores dos dois Engenhos disputantes e o Usineiro, todos acompanhados de suas digníssimas esposas. A Banda Marcial ficava encarregada da charanga, e, àquela altura, o homem de preto já colocava os times em campo para o início da partida sob os disparos de rojões e o aplauso das torcidas. Teríamos em poucos minutos o início da Partida.

Sim, esqueci-me de mencionar o locutor do jogo, o emocionante Paulo Bocão. Sentado em uma espécie de trapézio, cabine estratégica improvisada, megafone à mão, voz aguda de locutor de FM, não deixava escapar despercebido um detalhe daquela espetacular partida de futebol.

“Boa tarde Senhoras e Senhores!” “Aqui falo ao vivo do Estádio Monte Alegre mais conhecido como o Campo do Engorda Boi, em conexão com a voz de Catende AM.”.

“A partir de agora vocês irão acompanhar as emoções do Campeonato dos Engenhos da Usina Catende, o famoso Alambiquão 1967, envolvendo o time do Monte Alegre e do Ouricuri.”

“O time do Monte Alegre de camisas azuis defende o gol que fica do lado do Alto do Cruzeiro, enquanto que a equipe do Ouricuri, vestindo camisas vermelhas, defende o gol do lado do Alto da Jaqueira”.

“Tudo pronto!” “O juiz autoriza o início da partida, sob o patrocínio da Sorveteria Pinguim”. Eco... (Pinguim!... uim!... uim!... uim!).

“Bola rolando no estádio Engorda Boi, sendo atrasada para Tonhão, que passa para Gorducho, que solta à esquerda para Doguinha, avança e cruza o círculo central, aprofunda para Gonçalo sofrendo a falta em seguida pelo marcador do Ouricuri...”

O Jogo até então equilibrado, bola pra lá, bola pra cá, quando, num vacilo da zaga adversária o time do Monte Alegre faz o gol, através de Salomão. A torcida vai à Loucura!  “Gooooooolll!!!”   O locutor, Paulo Bocão, num grito de gol interminável, fazendo jus ao seu próprio cognome: “goooooooolllll!!!”

“Um a zero torcida monte alegrense.” E continuava...

O jogo era bem disputado, já estava 1 x 1 quando, uma chuva de verão resolve castigar o irregular gramado e estragar o espetáculo, transformando aquele campo em uma rinha de galo de briga. Não mais existia linha divisória do campo. As camisas estavam pretas de lama. Difícil era identificar  os jogadores mesmo depois que a tempestade passou. No entanto, o eloquente e entusiasta locutor, mesmo com a chuva torrencial conseguiu segurar o público presente, desta vez narrando, não uma partida de futebol, e sim declamando uma  bela poesia de encanto e beleza. Descrevia e enaltecia os pingos de chuva caindo sobre todos e, especialmente, sobre os jogadores, tornando aquele calor ameno; a beleza do Arco Íris  que se formava no Céu; a ventania no canavial florido tal qual o mar espraiando suas ondas brancas; o por do Sol avermelhando o horizonte em contraste com aquela nuvem negra que se aproximava. Comparava a virilidade dos jogadores em campo às rinhas de batalhas de Esparta, cidade grega e ao Coliseu Romano.      

A essas alturas a maioria dos jogadores havia sido transportada para a Casa Grande do Engenho, onde seriam tratados de suas terríveis contusões.

O jogo permanecia 1x1 quando  aconteceu um pênalti a favor do Monte Alegre, aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo. A torcida foi à loucura! Invasão de campo pela torcida do Ouricuri protestando para que o pênalti não fosse cobrado. A torcida alegava que não tinha condições de continuar o jogo porque a bola estava em estado lastimável. Aqui pra nós, estava mesmo! A bola de couro, descosturadas em suas emendas deixava vazar a câmera de ar formando duas bolas, ou seja: uma formada pelo couro da bola e outra pela câmera de ar “estufada para fora”.

O que fazer?!

A torcida do Ouricuri protestava veementemente querendo o final da partida e remarcação de outro jogo com bola nova a qualquer preço. Diante do impasse o juiz do jogo dirige-se ao Juiz da Comarca para decidir se cobrava ou não o pênalti com a bola naquelas condições.       

Finalmente as torcidas acalmaram-se ao ouvir o veredito do Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Comarca. O pênalti teria que ser cobrado com aquela bola, porque não havia outra no momento, e a partida já havia sido decorrida dois terços do final, não podendo ser cancelada. 

Aquieta daqui, aquieta dali, o juiz do Jogo coloca a bola no local onde seria a cobrança do pênalti. Carlão, zagueiro do time do Monte Alegre, famoso em ter um chute forte e certeiro, apresenta-se para cobrar. O estádio silencia diante daquele momento decisivo.

Carlão toma uma enorme distância da bola. Na certa iria rasgar as redes da barra adversária com a potência do seu chute. O juiz apita...

Carlão corre em direção à bola e dá um chute com tanta violência que a bola some...

Não!... Não some!...

A torcida do Monte Alegre invade o campo, tira a bola de dentro do gol, gritando loucamente: gooooooooooolll!!!! É... Campeão!... É... Campeão! É... Campeão!...

A torcida adversária também invade o campo protestando, pedindo a anulação do gol sob a alegação de que a bola não entrou completa, e sim, a casca da bola. Portanto, não seria gol.

E a câmera de ar? Onde foi parar?

O tumulto era geral no meio do campo, quando, de repente, a câmara de ar que havia saído do couro e subido cai junto à grande área, sobe e cai seguidamente em direção à barra  do Ouricuri ultrapassando a linha de gol. O juiz, àquelas alturas, perdido em meio à multidão, corre atrás da câmera de ar entre os olhares estupefatos dos torcedores, apita o gol e o final da partida.

Agora, sim! O gol estava completo.

Todos em uníssono gritavam: “goooooooooooolll!!!!

“É... Campeão! É... Campeão!... É... Campeão!” “Monte Alegre é campeão!”.

O locutor também gritava sem parar a ponto de ficar sem fôlego: “É gol!... É gol!... Inacreditável!! Gooooooooooolll!!!”.

Nunca vi tanta loucura em toda minha vida! Kkkkk!!!

                                          

E-mail: João.digicon@gmail.com

 

 

 

 

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