Valentina de Guido Crepax - por Maurício Duarte

Sensualidade à flor da pele, sexualidade à toda prova e não somente isso, mas fantasias eróticas, sadomasoquistas, liberais ou libertinas, tenras ou brutais.  Para Crepax, o genial criador de Valentina, identificação e projeção, olhar e reflexo, a personagem é escandalosa, recatada, submissa, louca e dona de si mesma, mulher por inteiro, tudo isso ao mesmo tempo e muito mais.  Crepax faleceu em 2003, mas a sua Valentina, que tinha os pensamentos dele, “ela é os meus pensamentos”, em suas palavras em 1994; continua a habitar as fantasias eróticas e, porque não, românticas de aficionados dos quadrinhos.

A fotógrafa milanesa Valentina Rosselli apresenta-se ao crítico de arte Phillip Rembrandt, o Neutron, na primeira aventura em quadrinhos publicada pela Linus em 1965.  É assim que começa a jornada de Valentina que página a página, história a história, passa do papel de coadjuvante a protagonista.

Nos seus sonhos, Valentina desce aos subterrâneos de civilizações perdidas que praticam jogos mentais, cheios de uma ritualística sensual e sexual.  Ela viaja a mundos nos quais andróides femininas, chamadas de associações biológicas VR-26, por exemplo, são levadas a conviver com os humanos, não sem muitas paródias de ficção científica.  Os 7 anões colocam espartilhos em Valentina, vestimentas de langerie, dos séculos passados e a amarram para que faça serviços domésticos como lavar o chão.  Mas o que querem mesmo – opinião expressada em reunião dos anões - é usá-la sexualmente. Dick Tracy a salva do diabólico vilão encontrando o seu par de sapato do pé errado (detalhe de humor infame com referência à fábula da Cinderela).   Enfim, as tiradas surrealistas e do mundo pop tem, todas, um tom de realidade, com desenhos bem detalhados.

Além de todo o vislumbre com o visual de Valentina, fica a linguagem cinematográfica e também puramente quadrinhográfica do mestre Guido Crepax. Criando requadros metrificados, fragmentados de diferentes dimensões – uma marca sua - numa história-em-quadrinhos contemporânea, o autor investigava detalhes.  Enquadra minúcias: o bater dos cílios, o abrir-se dos lábios, o vibrar da ponta de um mamilo.  Tudo isso com referências filosóficas e literárias indo desde Kafka a Freud numa narrativa gráfica que antecipava linguagens que depois se tornariam costumeiras no mundo dos quadrinhos e fora dele.

Valentina é femme fatale, é esposa de Phillip Rembrandt, é mãe de Mattia, é fotógrafa, é mulher, acima de tudo.  Com todas as fantasias, anseios e sonhos de alguém que viveu a segunda metade de um século vinte onde o antifascismo e o pensamento de esquerda foram tônica para muitos – inclusive para Valentina e seu criador –um tempo de muitas revoluções, no qual se tinha pressa de viver os sonhos na realidade ou a realidade nos sonhos.

 

publicado em 05/04/2014

 

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