Viagem de Trem - Partida
O trem seguia veloz cortando a paisagem que se descortinava através da janela. Dentro de mim, um buraco cavado pelas mãos da saudade, doía mostrando-me o tamanho da vida que eu estava vivendo. Era imensa! Intensa! Meus olhos caminhavam pelas plantações. Encontravam rios e Aldeias e memorizavam cada árvore que balançava as folhas em despedida. Queria tanto ficar... Mas era preciso ir e chegara a hora de partir.
Engoli cada lágrima, que entrava em meu peito tal qual um punhal, a desferir-me golpes profundos. Minha alma estava inquieta e torturada pela dor da partida. O que fazer quando a vida te chama, mas há outra vida que te leva? Escondia a minha dor de mim mesmo. Um grito dorido aflorava em meu peito, mas eu o segurava naquele misto de força e de coragem, que todos acham que eu tenho, mas que na verdade, preciso fingir para conseguir sobreviver a todas as dores que se me apresentam pela frente. Sou fortaleza bem construída no passar do tempo, mas que cai em ruínas quando a partida é iminente.
Disfarço bem a minha dor interior, que quer, a qualquer custo, escapulir pelos olhos e desaguar num mar de lágrimas. Jurei que não iria chorar mais nunca na vida, mas chorei por dentro e silenciei as palavras, porque nenhuma aplacaria aquela dor entranhada. Eu estava partindo... Tentava captar as imagens que corriam velozes ao derredor, mas não conseguia assimilar nada à minha dor. Viraram saudade de repente... Tão diferente da minha chegada...
O trem seguia mordendo os trilhos, e vai ver, sentindo a minha dor. Quantos corações despedaçados ele não testemunhara nas suas andanças, ou quantos soluços não devem ter ficado gravados junto com o barulho das suas engrenagens. Histórias a perderem-se no tempo. Vidas a tomarem rumos opostos umas das outras.
Lembro Cecília Meireles em seu poema Despedida, quando diz:
“Que procuras? - Tudo.
Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão”.
“A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?”
Estarão para sempre comigo, bem presos no meu coração, para que eu possa ter forças de continuar e de um dia lembrar-me dessa viagem, como só mais uma viagem. Porque a volta já está programada. Hei de voltar, pelo mesmo caminho, secando as lágrimas da ida. O trem fará então, a viagem da alegria. Do retorno. As lágrimas serão agora de reencontro. Recomeço. A paisagem será a mesma, mas estará sorrindo para mim. Assim como agora ela chora comigo. Voltarei.
Lígia Beltrão