Voltando a Portugal
Cheguei com o coração pulsando de ansiedade. Estava voltando ao chão que amava. Meus olhos percorriam a paisagem encantados. Estava indo para outras bandas, que ainda não conhecia, mas esse desconhecido encontro com o mistério da descoberta me fascinava. De repente vi-me mulher corajosa, brigando com o tempo e com a vida, para conquistar as minhas alegrias, perdidas em algum lugar do passado. Caminhei decidida ao encontro dos meus sonhos, como um rio a desaguar solenemente nos braços do mar. Enchi os olhos do encantamento natural de fazer-me destemida. Caminhei em busca de algum pedaço de mim, que eu sabia, estava ali a esperar-me. Lisboa me abria os braços e me recebia, mais uma vez, e dali o trem levou-me ao meu destino.
Enveredei por caminhos sinuosos de terras abraçadas por montanhas e cortadas por rios. Enfeitadas por fontes por todos os lados, onde bebi as águas frescas do amor. O vento frio ensaiava a canção da primavera e as flores enfeitavam os campos e dava a paisagem o colorido da alegria. Percorri veredas, alumbrada, com o despertar do meu sentimento por aquela terra lusitana. Transgredi as minhas próprias leis e entreguei-me ao prazer de saborear a vida e beber o néctar colhido das vindimas da terra. Desconheço-me. Entrego-me as minhas mutabilidades. Pois é, mudei. Não sou mais a menina boba de antes. Sou uma mulher, que o tempo já está a marcar, na pele e na alma. Minhas vontades mudaram. Dou-me agora o direito de pecar. Chego a ter medo de mim mesma. E como é bom!
As curvas das estradas estreitas me dão um frio na barriga. Às margens, os abismos, ensinando-me que até o perigo pode ser belo. Lá embaixo, o canto do rio enchia os meus ouvidos da canção da vida. E ele corria majestoso, dono e senhor do leito que o acolhia. Saboreava o vento frio no rosto, como carícias dos deuses, não me importava a ponta do nariz ferida pelo frio que queimava a minha pele sem piedade. Eu queria era arruar por aquelas aldeias e sentir a vida pulsando e me empurrando para a felicidade. Ah, quem me dera catalogar a vida e guardar cada história que vivi, em prateleiras, onde pudesse acondicionar vivências, interpondo-as em uma arrumação sem cronologias assinaladas. Quero distanciar-me dos findos sigilos e gritar ao mundo os meus sentimentos, mas prefiro depositar a minha crença na imprevisibilidade. Assim, deixo a vida acontecer. Num ato intempestivo dissolverei o passado e serei outra pessoa. Alguém que não conheço está a nascer agora. Renovo-me interiormente e seguirei em busca de múltiplas descobertas. Apesar de tudo sei que nunca conseguirei abastecer o cântaro da minha existência. Mas comerei esganada a vida que se me apresenta. E como disse Florbela Espanca: “Passam no teu olhar nobres cortejos, / Frotas, pendões ao vento sobranceiros, / Lindos versos de antigos romanceiros, / Céus do Oriente, em brasa, como beijos, / Em centelhas de crença e de certeza / E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim, / Amor, julgo trazer dentro de mim / Um pedaço da terra portuguesa”!
Disso não tenho a menor dúvida.