Por Shirley M. Cavalcante (SMC)
José Marques Sarmento (Zé Sarmento) morador da periferia da zona sul de São Paulo. Cresceu nos campos entre irrigados e de secura secular na cidade de Sousa, PB. Trabalhou como boia fria até aos 19 anos. Por ter pais analfabetos e falta de escolas, alfabetizou-se somente aos 14 anos e de lá pra cá nunca mais parou de ler e escrever. São Paulo foi à saída para fugir da pobreza quase miséria e fazê-lo sonhar com vida mais digna, onde se fez profissional de iluminação de cinema em longa-metragem, curta e publicidade. Casado, pai de quatro filhos. É graduado/licenciado em História com bolsa do PROUNI, depois de voltar a estudar quase aos cinquenta anos. É escritor de seis romances publicados em papel que anda por aí em sites de literatura. Publicados: Um Homem Quase Perfeito; A Revolução dos Corvos; Urbanóides-Um Caos Paulistano; Paraisópolis-Caminhos de Vida e Morte; O Sequestro do Negativo Exposto e Bixiga-Um Cortiço dos Infernos. Frequenta saraus da periferias e centro, onde fala seus textos que escreve para tal e o chama, de PROSIA. Dar aulas de história pra cursinho pré-vestibular e Enem para alunos carentes da periferia. Faz palestras em bibliotecas públicas e outros para alunos do ensino fundamental, médio e EJA.
Em entrevista ao projeto Divulga Escritor o escritor Zé Sarmento, apresenta uma verdadeira lição de vida a todos que acompanham sua trajetória literária. Uma entrevista repleta de dicas para você leitor da Divulga Escritor. Boa Leitura!
“Esse personagem chega a São Paulo num caminhão fugindo de algum lugar do Brasil tentando ser menos explorado na sua luta pela sobrevivência. Chega fugindo da escravidão branca das fazendas que usam muito mão de obra desse tipo. Muitas vezes são presos de um sistema ingrato e cruel que produz pessoas como ele que, para deixar estes espaços do latifúndio, tem que fugir deixando tudo parar trás.”
Boa Leitura!
SMC - Escritor Zé Sarmento, estou muito feliz em entrevistar um escritor, que hoje mora em São Paulo, mas que é Paraibano, nobre escritor Zé, filho de pais analfabeto, hoje autor de 6 livros, já podemos dizer 7, conte-nos em que momento você decidiu publicar seu primeiro livro? Como foi o momento em que recebeu seu primeiro livro em mãos?
Zé Sarmento - Degusto a resposta dessa pergunta fazendo uma analogia entre uma mãe esperando um filho produzido dentro das normas de um romance com proposta de futuro, cujo desejo de tê-lo faz ser esperado com muito entusiasmo, e o escritor produzindo seu livro a partir das primeiras páginas. O escritor como a mãe vai se perguntando, será como vai ser, terá capa bonita, conteúdo agradará, o leitor aceitará, onde irei lançar, venderei um milhão de livros? Então quando nasce um livro e um filho estes chegam com uma norma estabelecida em encher de gozo o seu criador. Dessa forma recebi meu primeiro livro que nasceu justamente ao momento de estar gestando um dos meus quatro filhos, por isso da analogia. São uma carga de sentimentos, muitos abstratos, outros reais, porque o livro está em suas mãos como objeto de fato, de um sonho que se realizou, e que, possivelmente, vai ganhar a atenção de algumas pessoas. Primeiro, as pessoas do seu relacionamento, porque não é fácil fazer um livro ganhar asas e sair por aí ocupando espaço entre tantas feras que também querem voar e cair nas mãos dos leitores, depois ser lisonjeado. Muitas vezes os autores se frustram por razões do sonho ter atingido muito pouco a meta que estava nos sonho do primeiro livro. É pela dificuldade em fazer o livro chegar até o leitor. É uma frustração que com o tempo vai esmaecendo e ainda trás com ela a bondade da vontade de começar escrever outro livro, só de “raiva” ou pela vontade inerente a quem se sente bem escrevendo, dizem especialistas, quando vem da alma.
SMC - Quando você publicou seu primeiro livro já tinha plano de escrever novos livros? como surgiu a necessidade de publicação de novas obras?
Zé Sarmento - Minha criação literária felizmente é extensa, romances. Quando edito um livro, tenho outros prontos para publicação. Fiz que a minha vida profissional me desse tempo de viajar na escrita e leitura, sem desarranjar as necessidades básicas como provedor da família. Sou ‘frila’ de cinema na área de iluminação em longas, curtas-metragens e publicidade. Apesar de não ganhar dinheiro com literatura, (de vez em quando entra algum dinheiro de palestras que faço em bibliotecas públicas tendo como público leitor jovens estudantes de escolas públicas) levo a vida quase como um escritor profissional, com dedicação a escrita e a leitura com assiduidade.
É a vontade de escrever e de ser participante e ilustrador de um tempo em que vivo. Faz-me dedicar quase que o tempo todo a escrever e ler. No passado, às vezes, achava que era uma fuga, mas descobri que era a vontade de deixar algo nesse mundo cujo o fortuito é a bola que gira tentando fazer gols com bola quadrada. Há mais de dois anos, quando comecei a frequentar os saraus da cidade de Sampa, vendo e ouvindo os poetas criando sempre e recitando ao som a toda voz, uns para mais, outros para menos, mas todos com o mesmo intuito, a fim de se expressar na sua arte, me fez produzir bem mais textos, agora mais curtos que os chamo de PROSIA, textos que leio tentando interpretar nos saraus.
SMC - "Bixiga, um cortiço dos infernos", este é um dos títulos de seu livro, que temas você aborda neste livro? Que mensagem você quer transmitir para o leitor através desta obra?
Zé Sarmento - Essa obra é um romance social que chamo de literatura do sofrimento, muitos autores contemporâneos chamam de literatura marginal. Como o escritor e meu vizinho Ferréz diz: “Zé Sarmento, você não conhece? Deve ser porque ele é um cara muito reservado, que ficou muitos anos escrevendo e agora nos deu a oportunidade de conhecê-lo, eu já tinha alguns livros e, portanto, indico a leitura, são vários, pura literatura marginal, bem feita, bem escrita e contundente, autor real que sabe muito bem o que escreve”.
Esse personagem chega a São Paulo num caminhão fugindo de algum lugar do Brasil tentando ser menos explorado na sua luta pela sobrevivência. Chega fugindo da escravidão branca das fazendas que usam muito mão de obra desse tipo. Muitas vezes são presos de um sistema ingrato e cruel que produz pessoas como ele que, para deixar estes espaços do latifúndio, tem que fugir deixando tudo parar trás. Foi o que aconteceu com o personagem do livro que o chamo de Sujeito Oculto, de Zé Ninguém. Justamente por ser visto pela sociedade só quando as pessoas estão interessadas em explorá-lo.
A vida de cortiço é revelada nesse livro de ficção, bem como algumas ruas do Bixiga e centro, pelas andanças do personagem tentando algum trabalho. A mensagem é a que para viver nos dias de hoje, e muito mais no futuro o cidadão deve se preparar, se encher de conhecimento.
SMC - Fale-nos um pouco sobre seu livro "Paraisópolis, caminhos de vida e morte", para que público esta voltado esta obra?
Zé Sarmento - Outro livro que escrevi de forma a torna-lo híbrido contando o lado histórico de Paraisópolis com muita ficção. Esse gesto e gosto de escrever livros centrados em ambientes geográficos específicos me veio através das leituras dos livros do conterrâneo, Jose Lins do Rego com os seus romances do ciclo da cana de açúcar. É um ciclo que imaginei escrever para narrar um tempo de permanência nas áreas onde vivi desde que cheguei a São Paulo. Bixiga nasceu porque morei num cortiço no bairro do Bixiga no inicio dos anos oitenta. Como escreveu Marcelo Rubens Paiva em resenha para o livro “Urbanóides, um caos paulistano”: ”Contrariando os caminhos traçados por alguns escritores, que escrevem sobre o que não conhecem e se atrapalham com pesquisas (já aconteceu comigo), Sarmento vive aquilo que está em seus livros”. Verdade.
Apesar de não ter morado em Paraisópolis fui à comunidade muitas vezes e senti a necessidade de por um personagem para viver ali, naquele ambiente de becos, vielas pinguelas, estreitas ruas e ser uma das lideranças das investidas das primeiras invasões nos anos setenta.
SMC - Escritor Zé Sarmento, fale-nos um pouco sobre seu novo livro que esta para ser publicado “Ângela - Um Jardim no Vermelho”
Zé Sarmento - Esse livro fecha minha fase de escrever livros híbridos centrados em historias de bairros de São Paulo cujos personagens vivem, atuam socialmente, constroem suas moradias depois de muita luta das invasões, dos loteamentos populares feitos por espertos agentes imobiliários. Personagens sempre retirantes de algum lugar inóspito que para fugir da miséria absoluta, ou quase, escolheram São Paulo para fazer suas vidas. Esses personagens acompanham o desenvolvimento da cidade, suas mazelas e são eles agentes que proporcionam o crescimento desordenado da cidade pelas invasões de áreas de riscos, de mananciais, córregos, tornando a cidade o que é hoje a sua periferia. “Ângela, um jardim no vermelho” é o terceiro livro, e o que aborda mais esse tema. Centrado na história do Jardim Ângela que a partir de 1970 começou correria desenfreada de trabalhadores empregados e sem empregos para essa região da zona sul pela casa própria. Desta forma nasce à personagem Ângela que se entrega a luta para trazer benefícios para o bairro que, simplesmente nasce primeiro pelas moradias paupérrimas, barracos que vão ganhando seus puxadinhos com o tempo. Nascem dessa forma as lideranças comunitárias, geralmente na casa de alguém que, por natureza, acaba virando a líder da associação de moradores. Foi o que ocorreu com Ângela.
Zé Sarmento - SMC - Qual o público que você pretende atingir com o seu trabalho? Que mensagem você quer transmitir para as pessoas?
O público é aquele que gosta de ler livros que mescla realidade histórica com ficção, de conhecer a luta de cidadãos comuns para se colocar perante uma sociedade discriminadora. Conhecer a história de cidadãos que não se entregam fácil, que tem amparado nas diversas possibilidades de progresso pessoal, material, intelectual e humano uma forma de crescer como pessoa participante de um país que não deu chance nenhuma a seus antepassados. Um povo de luta, sofrido, que pega ônibus lotado para ir trabalhar, que carrega dentro de si um sonho de melhorar de vida, mesmo tendo que se doar por inteiro a qualquer trabalho, já que a grande cidade como São Paulo foi à saída para fugir de onde nenhuma possibilidade existia.
SMC - De que forma você, hoje, divulga o seu trabalho?
Zé Sarmento - Saraus da cidade, nas palestras que faço em bibliotecas, escolas públicas, nas aulas de história que leciono pra cursinho para o Enem, vestibular, concursos. Não consigo, como muitos escritores, poetas e agitadores de literatura, ficar oferecendo meus livros para as pessoas os levando na mochila. Sou tímido pra isso, como vendedor iria morrer de fome.
SMC - Onde podemos comprar os seus livros?
Zé Sarmento - Em algumas livrarias dessas grades, Nobel, Siciliano, Saraiva, Submarino, Cultura, pelos sites delas. No google se acha também onde vende. Na livraria suburbano convicto do Alessandro Buzo, nas lojas 1 dasul do escritor Ferréz, na Zouk editora, na editora do Bixiga que também vai editar Ângela, a LPbooks. Todas mandam entregar pelo correio.
Email: josemarquessarmento@gmail.com
Face book: Zé Sarmento
Blog: jmsarmento.blogspot.com.br
SMC - Quais as melhorias que você citaria para o mercado literário no Brasil?
Zé Sarmento - A primeira questão a ser revolvida é que os livros barateassem, fossem subsidiados mais do que são, que as três esferas de governos, federal, estadual, e municipal incentivassem bem mais a literatura. Que deixasse de ser viciada olhando somente para aqueles autores de sempre, cujos editais de incentivo a literatura, basicamente, estão quase sempre endereçados aos mesmos nomes. Levar os autores para um “entrevero, papo” direto com o público, cara a cara para o leitor, principalmente o leitor iniciante, jovem, saber que o escritor, autor dos livros existem de fato, que ainda não morreram.
SMC - Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista, o Projeto Divulga Escritor agradece sua participação, muito bom conhecer melhor o Escritor Zé Sarmento, que mensagem você deixa para nossos leitores?
Zé Sarmento - Continuem lendo, escrevendo, editando. Não mandem os vossos originais pra editoras, nem pequenas nem grandes. Recebi muitas cartas de negativas de grandes editoras. Eu na simplicidade sonhadora de um escritor que não conhecia como funciona o mercado, tentando editar com grande editora. Que loucura! Só se eu fosse o Pelé, mas é o Pelé mesmo, o verdadeiro, que se escrevesse um livro, mesmo com todas as páginas em branco, todas as grandes queriam assinar contrato com ele, ( com muito respeito ao Pelé, é só uma comparação, porque sei que o Pelé não vai se dispor a escrever livro, a cantar vá lá).
O que vale para as editoras capitalistas é o nome, e não o conteúdo que tem o seu livro. Vai à luta, edita com tiragem reduzida, com produção através de demanda, vai vendendo, vai dando, doando, logo mais pedindo novos livros, 50, 100, assim se vai trabalhando o livro. Hoje é barato editar, várias editoras já trabalham assim, por demanda, até as grandes, dependendo do nome que tenha conseguido construir no mercado editorial o autor, já trabalham assim.
Onde tiver uma aglomeração pondo fogo na panela fervendo arte, esteja presente com o seu livro e não um projeto de livro, de projeto o mundo tá cheio. As pessoas querem tocar, folhear o livro em seu formato tradicional. Amigo, boa sorte na sua empreitada como escritor do primeiro livro.
Participe do projeto Divulga Escritor